O significado da cura - Curando com o coração.

29/01/2013 21:59

“Quem pôs sabedoria no intelecto? Ou
quem deu entendimento ao coração?”


LIVRO DE JÓ (38:36)

UM GALO PARA HÍGIA

Pouco antes de sua morte, Sócrates lembrou-se de um débito que, segundo ele, contraíra para com o deus grego da medicina que havia cuidado dele durante a vida inteira. Referindo-se à tradição grega de recompensar o deus Asclépio por sua atenção, disse Sócrates: “Devo um galo a Asclépio”. Ele estava observando o costume grego de honrar o enfoque restaurativo asclepiano da medicina, a versão antiga da moderna medicina biomecânica que me salvou a vida. A medicina ocidental continua a evoluir como o sistema mais poderoso e eficiente já concebido para lidar com traumas e doenças, mas geralmente não consegue ser tão eficiente quanto à abordagem ao bem-estar elaborada por Hígia, filha de Asclépio, que é mais orientada pelo coração. A medicina higiana reconhece que o corpo tem sua própria sabedoria natural, uma capacidade integrativa intuitiva que pouco depende de nosso pensamento e atua em todos os momentos de nossa vida, mesmo quando dormimos. Ela reconhece o campo de inteligência energético-informativo sutil que é nosso corpo e a oscilação natural entre saúde e doença como partes essenciais do mesmo continuum da vida. A medicina asclepiana atua sobre nós de maneira a nos restaurar a saúde, mas a medicina higiana ajuda a cura a acontecer dentro de nós, ao permitir que a natural energia “V” de nosso coração flua livremente.

Este capítulo trata da tentativa preliminar de aplicar o que se conhece até o momento da energia do coração e das memórias celulares a um modelo cardioenergético para o ato de curar. O processo de curar com o coração começa com dez perguntas e respostas. As respostas do cérebro asclepiano e do coração higiano a essas perguntas exemplificam suas diferentes abordagens.

1. Que significa curar?

O Cérebro: Curar é a modificação biomecânica dos sistemas orgânicos através de tentativas diretas de ajustar, corrigir e restaurar um sistema mecânico à sua versão de funcionamento “normal”. A moderna medicina asclepiana é o mais eficiente sistema de restauração do corpo em toda a história.

O Coração: Curar é deixar sadio, é unir novamente, é recuperar memórias moleculares que estimulam a recuperação da saúde; é ficar atento aos riscos ao nosso bem-estar, para evitar o desequilíbrio com a energia de todos os sistemas que nos rodeiam. O psiquiatra David Benor fez um estudo detalhado das iniciativas do ato de curar e sua definição da cura ajusta-se à definição cardioenergética. Ele entende a cura como a influência intencional de uma ou mais pessoas sobre um organismo sem a utilização de meios de intervenção física conhecidos. Para o processo de curar cardioenergético, “influência” significa concentrar-se na sabedoria e na energia que emanam sutilmente do coração e não apenas manipulações e técnicas inventadas pelo cérebro. Curar com o coração não é “tentar curar” mas permitir que a natural energia sanativa do coração e todas as memórias de curas que já ocorreram ressoem dentro da pessoa; é permanecer sereno e calado e “irrefletido” o suficiente para permitir ao coração que estabeleça com os outros corações uma coerência compartilhada na forma de prece solidária que transcende os limites das palavras.

2. Por que curar?

O Cérebro: Curamos para possibilitar às pessoas prosseguir, fazer mais, ter mais, viver mais tempo e obter o máximo de sua vida individual.

O Coração: Curamos a fim de ficarmos íntegros com os sistemas à nossa volta e para podermos cuidar de sanar e proteger esses sistemas, que incluem pessoas, plantas, animais e lugares.

3. Quem necessita de cura?

O Cérebro: Biossistemas doentes ou “fragmentados” necessitam de reparos porque estão desarranjados. Quem quer que não esteja “sadio” e “normal” segundo a biociência necessita da intervenção desta.

O Coração: Todas as pessoas e todas as coisas em toda parte necessitam permanentemente de cura, pois a cura é o processo de manter a conexão de energia saudável fluindo dentro de todos os sistemas. São os sistemas e não os indivíduos que adoecem. Saúde e doença não são extremidades opostas de um continuum. Todos nós estamos sadios e doentes ao mesmo tempo permanentemente, porque somos sistemas energéticos caóticos em processo de autocorreção. Estabilidade não significa nunca mudar. A estabilidade sistêmica da cardioenergética é indicada pelos reajustes energéticos constantes de um sistema.

Em 1900, o fisiologista francês Charles Richet disse que “a instabilidade é a condição necessária para a estabilidade do organismo”. Em outras palavras, o caos significa doença para um seguidor de Asclépio, mas para um higiano é uma forma de saúde dinâmica. Entre os infinitos padrões de flocos de neve, não existe maneira certa de ser um floco de neve “sadio” ou “correto”. O oceano, quando encapelado, não está “doente”. Não devemos desperdiçar a magia da conexão sanativa empregando-a apenas quando julgamos estar doentes. Existe uma misteriosa reciprocidade que atua no relacionamento entre doença e saúde e o melhor modelo de equilíbrio saudável não é uma pessoa firmemente posicionada no chão mas alguém andando numa corda esticada, segurando a barra de equilíbrio e incessantemente reajustando-se e adaptando-se.

4. Como curamos?

O Cérebro: O credo da medicina asclepiana, ou medicina orientada pelo cérebro é: “Não fique parado aí. Faça alguma coisa”. Não há melhor sistema para fazer diagnósticos mais rápidos e para a tomada de ação rápida e imediata do que a biomedicina moderna, e muitos de nós já experimentaram seu poder salvador. É um sistema ideado para localizar falha numa parte biomecânica específica e a seguir corrigir e estabilizar o problema por meios químicos ou mecânicos.

O Coração: O credo da medicina higiana, ou medicina orientada pelo coração é: “Não faça nada. Fique parado aí”. Se você tomar um monte de remédios vendidos sem receita seu resfriado provavelmente irá embora dentro de uns quatorze dias. Se você não fizer absolutamente nada e não se preocupar, seu resfriado provavelmente se dissipará em mais ou menos duas semanas. No primeiro caso, você poderá se dar conta de que o estresse excessivo fez sua imunidade baixar e que você deveria estar dedicando mais tempo de seu cotidiano a fazer o que um forte resfriado freqüentemente nos força a fazer - ficar em casa sob um cobertor bem quente, tomando canja de galinha e lendo um bom livro. Um resfriado pode ser a manifestação do corpo expressando o grito do espírito de “querer ir para casa”. O processo de curar é intensificado quando nos lembramos de que aparentemente temos um ímpeto interior para a saúde e que a maioria dos problemas se corrige se permitirmos que a natural sabedoria sanativa do corpo faça seu trabalho. A cura do coração pelo processo higiano consiste em nos conscientizarmos de onde e como em nossas vidas perdemos a conexão ou o contato com nosso estabilizador principal - o coração. A cura pelo coração exige que, como os operadores no laboratório de Princeton, permitamos que ocorra por si uma reconexão energética, em vez de tentar fazer que ela ocorra.

O médico Larry Dossey fez referência ao valor daquilo que ele chama de “a grande espera”. Embora existam ocasiões em que se faz necessária uma ação urgente para salvar uma vida, tais ocasiões são raras comparadas àquelas em que “deixar-se estar” é justamente o que deve ser feito. Com tranqüilidade e um ritual despreocupado e repetitivo mais do que com ação e procedimentos imoderados, poderemos recuperar as memórias celulares deixadas por aqueles que nos antecederam. Memórias que nos ensinam a ser íntegros novamente e a fazer conexão com a energia que compartilhamos com todos os sistemas. Assim como os equilibristas que andam na corda esticada, se nos esforçarmos demais, nos preocuparmos demais e pensarmos demais, poderemos nos tornar insensíveis precisamente aos sinais que nos ajudam a nos reajustar e manter o estado de equilíbrio dinâmico, amiúde precário, mas adaptativo e mantenedor da vida.

5. Onde somos curados?

O Cérebro: Afastamo-nos da natureza e entramos no edifício mais moderno, tecnicamente avançado e hermético que pudermos encontrar, o qual é provido do corpo de pessoal mais inteligente, aprimorado, bem conhecido objetivo e mais bem pago da ciência de curar. Despimos nossas roupas, vestimos um manto ritualista que permite aos outros fácil acesso ao nosso corpo (especialmente por trás), deitamo-nos em uma cama alta que restringe qualquer fuga rápida, cedemos vários fluidos de nosso corpo, permitimo-nos ser objeto de estudo de sacerdotes neófitos freqüentemente extenuados pela exigência de ter de participar constantemente de uma cerimônia de trote, e entregamos nosso corpo aos sacerdotes e às donzelas asclepianas para ser restaurado. Visitas podem trazer alguns ramos de flores e traços da natureza ao templo, mas o objetivo é restringir ao máximo possível o ingresso do mundo natural e de membros carinhosos da família de maneira que a santidade, os códigos, os procedimentos, os programas, a hierarquia e a burocracia do templo de Asclépio não sejam subvertidos. Quanto mais máquinas houver e quanto mais novas forem, melhores serão nossas probabilidades de curar.

O Coração: Para curar devemos encontrar um local energeticamente amistoso que nos permita estabelecer uma conexão mais intensa com os aspectos naturais de nosso viver. Além disso, devemos nos imergir na energia que emana das plantas, dos animais e das pessoas que nos amam e que estão à nossa volta. Somos parte integrante de todos eles. Um oceano ou uma floresta são bons lugares para efetuar curas, pois estão em ressonância direta com nosso centro sanativo, o coração.

6. Por quem somos curados?

O Cérebro: Somos separados de nossa família e curados por uma procissão de desconhecidos expeditos que observam traçados e aproximações simbólicas do funcionamento de nosso corpo e que, a seguir, prescrevem o procedimento a adotar e o que deve ser feito “a nós” por eles ou por suas aproximações medicamentosas de substâncias naturais. Se formos “complacentes,” poderemos sarar. Caso contrário os sacerdotes do templo poderão considerar-nos como pacientes que “não responderam ao tratamento”.

O Coração: Não somos curados “por” mas “com”. Somos curados com a presença de corações sanativos à nossa volta que se unem ao nosso coração e não simplesmente fazem coisas “a ele”. Pesquisas mostram que a necessidade de se efetuar o ato cirúrgico mais comum nos Estados Unidos, o parto cesariano, pode ser reduzida em mais de 50 por cento quando a mãe tem a presença contínua de uma mulher que lhe dê amparo* durante o trabalho de parto e a parturição. A cardioenergética sugere que chequemos o coração e não apenas os diplomas de nosso médico e que escolhamos um clínico que nosso coração indique “ter bom coração” e que emita “energia sanativa satisfatória”.
__________
* Denominada doula no Estados Unidos. (N. T)

7. Quando sabemos que estamos curados?

O Cérebro: Sabemos que estamos curados quando os números de determinadas máquinas nos informam que estamos “novamente dentro dos limites normais”, nosso médico nos diz que saramos, ou quando nosso seguro saúde nos comunica que o prazo de internação ou de tratamento a que temos direito se esgotou. Estamos curados quando conseguimos adiar a morte ou estamos aptos a voltar à mesma vida frenética e confusa que, afinal de contas, provocou nossa doença.

O Coração: Quer estejamos restabelecidos ou não, estamos curados quando nos sentimos íntegros, quando os outros dizem que se sentem mais ligados a nós, quando algo em nosso coração nos faz sentir novamente o encanto do mundo e nos liga a ele energeticamente mais uma vez. Estamos curados quando aprendemos a celebrar a vida em vez de apenas lutar para prolongá-la e quando aprendemos a nos tornar mais conscientes da sutil instabilidade oscilante que se encontra logo abaixo daquilo que podemos experimentar como “saúde estável”.

8. Como ocorre a cura?

O Cérebro: Uma vez que encontremos a parte do sistema mecânico que está desarranjada e a restauremos, a cura ocorreu pois recuperamos nosso “funcionamento normal”. Recuperar a saúde nada tem de “vitalista”, energético ou espiritual. Trata-se apenas do restabelecimento de uma função biomecânica.

O Coração: A cura ocorre quando sentimos novamente dentro de nós o fluir de uma energia afetuosa e quando a sutil energia “V” da vida, nossos ancestrais, as árvores, os pássaros, as flores, os animais e o sistema da vida nos dizem, através de nossas memórias celulares, que abrimos suficientemente o coração para deixar a energia fluir novamente. A cura ocorre quando o campo da inteligência energética que existe no interior do organismo exercita seus poderes intuitivos para restabelecer um equilíbrio mais adaptativo entre nós e nosso mundo.

9. Que acontece depois que saramos?

O Cérebro: Depois de sermos curados, voltamos à nossa faina cotidiana. Poderemos ficar mais atentos a outro desarranjo num órgão qualquer e mudar alguns de nossos comportamentos, a fim de diminuir a possibilidade de recidiva ou recaída, mas a cura geralmente nos permite retomar mais do que mudar nossa vida de antes. Pelo menos temporariamente, até que o cérebro retome suas pressões urgentes e se esqueça de nosso sofrimento anterior, podemos nos tornar um membro do grupo dos sãos que se preocupam em praticar medicina “preventiva”.

O Coração: Não existe o “depois” de sarar, pois estamos constantemente conscientes de estar íntegros, em boa relação com os outros, e enviando e recebendo energia de todos os sistemas à nossa volta. Tanto a doença como a saúde fazem parte da vida, de forma que, quando sofremos a dor da doença, aprendemos a nos dedicar mais a uma maneira de viver segundo o enfoque sanativo. Também podemos aprender com as outras pessoas, quando sofrem, que, ajudando-as a curar-se, energizamos nosso próprio processo sanativo. Em vez de praticar medicina auto-orientada e “preventiva”, praticamos um processo de cura mais intenso com todos os sistemas.

10. Que é uma pessoa que cura?

O Cérebro: Uma pessoa que cura é alguém que aprendeu tudo sobre o funcionamento dos sistemas orgânicos e durante vários anos sacrificou grande parte de sua própria saúde mental e física a fim de conseguir aprovação nos exames exigidos para ser legalmente declarado apto a tentar curar seus semelhantes e trabalhar nos templos de cura. A pessoa que cura é objetiva, emocionalmente distante, mecanicista, cética e descrente de qualquer coisa que não possa ser vista ou tocada.

O Coração: Todos nós somos pessoas que curam, mas alguns de nós têm maior capacidade de curar do que a maioria, porque uma grave doença os fez passar por uma transformação e, conseqüentemente, são mais cardiossensíveis do que aqueles que ainda não se confrontaram com sua própria condição de mortais. Os cardiossensíveis sabem que a solicitude por si mesmo começa com a solicitude para com os outros e com a compreensão de que nenhum de nós é de fato emocionalmente distante ou totalmente objetivo. Dois critérios nos indicam que uma pessoa que cura é mais cardiossensível: 1) ela aprendeu algo com uma crise; 2) em parte, devido a essa crise, ela desenvolveu profunda solidariedade pela energia do próprio coração e dos corações dos outros.

DISPOSTOS A CURAR

O processo de curar mente e corpo tem tido um desenvolvimento significativo no acolhimento, nas pesquisas de apoio e na conscientização tanto profissional quanto pública. Todavia, a cardioenergética lembra que a biomedicina e muitas formas comumente denominadas medicina da mente e do corpo geralmente entendem que a “mente” se localiza em alguma região do cérebro e que é responsável pelo corpo. Não a consideram como uma união composta de cérebro e corpo coordenada pelo coração e sua energia informativa rítmica. Para a cardioenergética, curar é menos uma questão da superioridade da mente sobre a matéria do que usar o coração para unir o poder racional do cérebro e os poderes curativos espontâneos do corpo, de forma que a intuição curativa da Mente triádica possa efetuar seus milagres diários.

Já vimos que o cérebro é nosso principal centro de manutenção da saúde. Pesquisas efetuadas em áreas como a psiconeuroimunologia mostram que a maneira de pensar do cérebro manifesta-se diretamente na maneira de funcionar do corpo e todos os seus sistemas. Não há dúvida de que pensar de maneira mais racional sobre a vida, lidar de modo menos adverso com o estresse, e utilizar visualizações, imagens mentais e técnicas de relaxamento para ajudar a enfocar e regular os sistemas biomecânicos do corpo pode ser extremamente benéfico à saúde e à cura. Entretanto, sem o coração, o cérebro assemelha-se a um cirurgião de visão unilateral. Representa para nós um risco de maior desunião, com sua perspectiva tacanha de proteger a saúde do seu corpo à custa da saúde global do sistema do qual ele faz parte, e de se preocupar mais em não ficar doente do que em celebrar o ato de estar vivo para compartilhar a vida com o próximo.

Existem abundantes indícios a mostrar que um regime moderado de baixas calorias e teores de gordura, rico em fibras, exercícios regulares e técnicas de redução de estresse podem ajudar a manter a saúde do corpo. Embora muitos de nós tenhamos reagido a isto de maneira positiva fazendo ginástica com regularidade ou nutrindo-nos principalmente de alimentos com pouca gordura, a maioria tornou-se obsessiva com relação à aptidão física e à saúde. Tentando evitar a morte em vez de desfrutar a vida, fazemos severos regimes de alimentação e de ginástica que tiram todo o prazer do ato de comer e todo o divertimento da aptidão física. Poderíamos dar maior eficiência às nossas tentativas para uma maneira mais saudável de viver se simplesmente parássemos de tentar evitar um ataque cardíaco e começássemos a pôr mais coração – maior alegria compartilhada e menos culpa – nas coisas que fazemos na esperança de que protejam nossa saúde. É absurdo quase nos matarmos no esforço para viver mais.

 

Fonte: Memória das Células - A Sabedoria e o Poder da Energia do Coração, Paul Pearsall, Ph.D., Ed. Mercuryo, 1999, São Paulo, SP. Págs.: 303-312.

 

 
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